Nesta terça-feira, 18/04, o ELO Ligação e Organização e o Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (CAIS) realizaram uma roda de diálogo sobre o tema “Fake News: o que vem pela frente?”. A ação, apoiada por MISEREOR e Pão Para o Mundo (PPM), é um desdobramento das atividades que foram realizadas antes das eleições de 2022, com o objetivo de discutir o papel das Organizações da Sociedade Civil (OSC) no enfrentamento à disseminação de notícias falsas. (Saiba mais sobre as atividades)
“O combate às Fake News é um tema que entrou na realidade das Organizações da Sociedade Civil e, pela sua complexidade, importância e magnitude, ele nos desafia em várias questões. A desinformação aliada com a guerra híbrida é com toda certeza uma das grandes ameaças à democracia da América Latina”, afirmou durante a abertura do evento, Adriano Martins, coordenador do CAAIS.
A roda de diálogo, disponibilizada na íntegra no Youtube, contou com a facilitação da Dra. Magali do Nascimento, jornalista, doutora em ciências da comunicação e pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião e editora-geral do Coletivo Bereira, e de Sérgio Amadeu, doutor em ciência política, professor, pesquisador de redes digitais e das implicações da inteligência artificial, e apresentador do podcast Tecnopolítica. Também esteve presente Raissa Galvão, co-fundadora e editora da Mídia Ninja e ativista da rede Fora do Eixo.
Magali trouxe em sua fala um panorama sobre a intensa campanha que está sendo realizada pelos grupos de extrema direita que se dedicam a gerar desinformações.
“Estamos vivenciando uma intensa produção de desinformação de oposição ao atual governo”
destacou a jornalista. Ela menciona a importância de entender a desinformação como um elemento elaborado, pensado, estudado, disseminado e divulgado com o intuito de fortalecer a campanha eleitoral. Essa atitude de gerar desinformação foi paradigmática nas eleições de 2018 e continuou sendo trabalhada durante todo o mandato de Jair Bolsonaro, tornando-se em uma campanha de sustentação do governo.
A pesquisadora explica como a desinformação baseia-se no pânico moral, criando medo para ganhar votos: medo do futuro, da ideologia de gênero, dos direitos sexuais, do enfraquecimento da educação, defesa da família, e a partir das eleições municipais de 2020 acrescenta-se outra pauta: a cristofobia. “A pauta da liberdade religiosa foi amplificada, e qualquer defesa do direito de crença que não permitisse aos cristãos falar o que desejassem contra a pauta dos direitos humanos em 2018 passou a ser classificada como perseguição”, afirma Magali, destacando que não estamos falando sobre direitos de culto, mas sim do direito de se expressar livremente contra os direitos humanos.
Apresentando o trabalho do Coletivo Bereira, que monitora e verifica as notícias que circulam nas plataformas digitais, a jornalista afirma que a campanha de desinformação para influenciar as próximas eleições municipais já começou com força e com temas de desinformação bem definidos. Há uma alta incidência de desinformação sobre a perseguição à liberdade religiosa, acusando o governo atual de ser uma ameaça à religião cristã. Além disso, a identidade de gênero e os direitos sexuais são frequentemente alvos de desinformação, e surpreendentemente, o tema da Covid-19 está ressurgindo por causa das campanhas de vacinação. A negação dos impactos ao meio ambiente também é forte, descrevendo a mudança climática como um fenômeno natural. A pauta da economia é outro argumento de destaque, especialmente porque, segundo Magali, o grupo que mais absorve tais desinformações são grupos religiosos, principalmente os evangélicos, que representam um dos grupos mais empobrecidos da sociedade.
Como evitar o vazamento de desinformações? Para Magali Cunha, o desafio é enfrentar a desinformação não apenas por meio da checagem, mas mostrando que a realidade é diferente e que pode melhorar a vida da sociedade. “Temos que mostrar feitos, diferentemente do governo passado, que se sustentou com discursos sobre coisas inexistentes. Agora é preciso combater a desinformação com fatos reais, com informações, dados e antecipando a desinformação”, conclui a editora-geral do Coletivo Bereira.
Sérgio Amadeu deu sequência ao debate, explicando como as fake news não são uma novidade, pois a comunicação é fundamental desde o século XIX pela disputa de poder. No entanto, há um tempo, a desinformação é usada estrategicamente pelas extremas direitas para destruir a democracia mundial. E destaca como a desinformação caminha junto com os discursos de ódio, alimentando-se mutuamente. Ele traz o exemplo da vacinação: “Porque a direita está contra a vacinação? Porque a ciência moderna precisa ser aniquilada, não pode ser desmontada e resulta difícil criar caos emocional ao redor dela“.
Segundo o doutor, no futuro próximo, haverá uma tentativa de regulação de plataformas digitais, um aspecto que teremos que apoiar, pois é onde a maioria da desinformação prolifera. “É necessário criar uma comissão com a participação da sociedade civil e do poder público e exigir que também nas plataformas se vigie a democracia e o respeito aos direitos humanos”. Outro aspecto é o enfrentamento à inteligência artificial, cada vez mais usada pelas agências de imprensa e que, no futuro, será usada para produzir (des)informação em massa. Ele conclui a exposição destacando que, para enfrentar esses desafios, temos que construir e divulgar nas redes digitais mensagens de qualidade e que falem da violação de direitos.
Raissa Galvão, que há 10 anos atua no campo da cultura e da comunicação, promovendo a diversidade cultural e a democratização dos meios de comunicação, inicia sua fala destacando a importância da construção de narrativas. “Quando vemos uma fake news, não podemos cair nas armadilhas dos grupos que a criaram: eles querem que as pessoas re-postem essas notícias falsas para refutá-los“. Segundo ela, reagir dessa maneira só gera ainda mais alcance para essas notícias.. “O objetivo das Organizações é atuar em rede para construir narrativas baseadas nos valores e princípios do nosso público“. Ela destaca a importância de entender que existem diversas narrativas baseadas no contexto social, econômico e político de cada indivíduo. Raíssa também menciona que precisamos repassar as informações a partir de diferentes óticas, pois cada indivíduo reage com tempos e métodos diferentes às mensagens.
Em conclusão, ela expõe a necessidade de construir uma cultura sobre alguns temas: “No MidiaNinja, iniciamos a divulgação sobre a pauta dos direitos das trabalhadoras sexuais, e mesmo nosso público tendo valores bastante progressistas, cada vez que propusemos esse tema, chegavam uma enxurrada de ofensas e preconceitos. Entendemos que era preciso outras formas de falar deste conteúdo para criar cultura sobre o tema, para que nosso público começasse a lidar com esse conteúdo com mais respeito.”
A roda de diálogo contou com a participação de mais de 64 pessoas, integrantes das OSC parceiras de PPM e Misereor, que no final puderam tirar dúvidas e interagir com os facilitadores. O conteúdo completo vocês encontram no no Youtube do ELO. Aproveita para curtir e compartilhar!
Por Angelica Tomassini, assessora de comunicação do ELO Ligação e Organização